"Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? [...] A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos." (Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, p. 331 - Da Lei do Trabalho)
Kardec escreveu isso em 1857, mas nos parece bem atual. Ao propor o título de Dimensões da Doutrina Espírita, pretendíamos relacionar os lúcidos conteúdos compilados pelo educador, pesquisador e cientista francês à nossa realidade (brasileira).
É certo que a problemática do norcotráfico é bastente complexa. Envolve questões como reformas no código penal, corrupção nas instituições da polícia civil e militar, ineficiência na "proteção" das fronteiras do Brasil, que permite que as armas ilegais entrem no país e cheguem até os traficantes, e uma série de questões pontuais. No entanto, todos esses pontos levantados e debatidos por especialistas competentes, ainda deixam de lado o "usuário", que é visto em muitos momentos como vítima.
Esse aspecto por si só já nos forneceria amplo material de reflexão à luz do Espiritismo. Em verdade poderíamos nos perguntar: quem é vítima, quem é culpado nisso tudo? E os políciais que estavam no helicópetero e que foram abatidos pelo poderio bélico dos traficantes no Rio de Janeiro? E os três jovens que morreram pelo mesmo poderio bélico dos traficantes, quando voltavam de uma festa à fantasia na madrugada de sábado?
O noticiário da televisão nos informa que uma missa de sétimo dia foi rezada em nome dessas vítimas. Nada justifica essas mortes e, sem a menor dúvida, os responsáveis precisam responder por esses impiedosos crimes.
Entretanto, a pergunta continua a ecoar: quem é vítima e quem é culpado? E a sociedade? Até que ponto é refém do tráfico de drogas e de armas? Será que já conseguimos cogitar das inúmeras causas que levam a uma declarada guerra entre traficantes e sociedade? Até que ponto há essa demarcação - sociedade de um lado, traficante do outro?
Voltemos ao Livro dos Espíritos: "A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos."
Não pretendemos advogar em nome do traficante. Nossa ideia é levantar o questionamento: por que nossas leis são tão brandas com relação ao usuário? Por que não há uma relação direta entre a violência do narcotráfico e aquele que compra a maconha, a cocaína ou o crack para seu consumo? A movimentação financeira do tráfico (de drogas) é estimada em milhões de dólares. O traficante não tira dinheiro do próprio bolso para comprar armas, que servirão, inclusive, para matar o polícial ou o civil que esteja passando na hora da fuga, por exemplo. Pode-se pensar que o poder de fogo das armas que conseguiram abater o helicóptero semi-blindado da polícia do Rio diz, dentre outras coisas, que esse investimento (que, repetimos, não vem do bolso do traficante!) provem de outra(s) fonte(s).
Pensemos um pouco mais e façamos a nossa saudável e necessária reflexão.